A respiração do mar...



"Neste mar à minha frente
O sol repoisa e os nossos olhos dormem...

- Caem saudades mortas como chuva miúda,
Ou sobem, trémulas, como o vapor das algas,
Ou ficam, extáticas como um bafo da areia,
Calmas, sobre a paisagem,
Como um véu de cambraia deixado...

Não sei se é o calor das algas,
Se é o bafo da areia que baila,
Ou se é a chuva miúda que cai neste dia de sol
Como um véu de cambraia deixado,

Sei que me lembram os signos do zodíaco
Em boa caligrafia,
Uns signos como nem sequer eu tinha imaginado!...

E este calor que dimana da terra e nos confunde com ela,
Nos aquece as pernas de encontro à areia, numa vida exterior
Com mais sangue que a nossa e, sobretudo, cheia
Duma inconsciência que se não parece com nada,
Esta respiração pausada como as ondas, de trás para diante
Fazendo, lentas, e desfazendo
A mesma curva humaníssima e sensível,
Faz-me escrever, devagar, e com letra de menino pequenino
Sobre o chão acamado, esta palavra
AMOR."


"Maresia", poema de António Pedro, in "Aventura, nº 3"

http://pt.wikipedia.org/wiki/António_pedro

2 comentários:

Maria Azenha disse...

Com este belo poema ganhei o dia... para o propagar ao longo da tarde.


Boa emana para ti.
Paz!

***maat

lupuscanissignatus disse...

Homem de teatro mas também de poesia, António Pedro merece ser por todos recordado e cultivado como um nome grande da Cultura Portuguesa.

Obrigado. Boa semana também para ti, Maat.