A ponte é uma passagem...I

Ponte D. Maria Pia, Porto
Fotografia de V. Solteiro

inúmeras são as pontes que diariamente nos atravessam. inumeráveis são as pontes que, vida fora, nos adentram. de todas elas uma existe que jamais conseguiremos nomear. essa é a ponte dos afectos. a ponte que, umbilicalmente, nos prende ao subsolo do ser.
V. Solteiro, 01.08.08

Andar nas nuvens...

Serra de São Macário,
São Pedro do Sul
Fotografia de V. Solteiro
anjos de cabelos desgrenhados, carregados de insónias e de sonhos, gigantes de longuíssimos braços de fraternidade, as nuvens são irmãs dos montes e filhas do vento. sua mãe, a chuva, estende por vezes as finas mãos ao vale numa dádiva sagrada. seu pai, o sol, gosta de espreguiçar os raios pelos semfins do horizonte num abraço lento e apertado. é da confluência dessa energia primicial e criadora, desse sanguíneo rio de esperança, que se gera, num instante fugaz, o rosto do arco-íris.
V. Solteiro, 30.07.08

A phala da pedra...

Igreja de São Francisco, Porto
Fotografia de V. Solteiro
a phala
da
pedra
não tem
ângulos
nem
arestas
a sua língua
é um fogo
crepitante
que exala
geometrias
indecifráveis
onde os lábios
re-colhem
os seus
frutos
V. Solteiro, 29.07.08

Olhar petrificado

Pormenor da Igreja de São Francisco, Porto
Fotografia de V. Solteiro


I. olhar por dentro. para dentro. olhar em volta. fazer do olhar o centro. o epicentro da revolta. trazer na volta outro olhar, outro vento. de outras fontes pressentido. de outros rios ferido.

II. olhar a diferença. olhar a indiferença. vaga petrificada. líquida ausência.

III. olhar a pedra que pensa. a pedra que sente. a pedra que fala. convertida em estátua. em vertical idioma.

IV. olhar inquinado. explode em fogo fátuo de milhões de imagens. as pestanas desdobram-se em miríficas tempestades. soçobram. sobram as estonteantes e ininterruptas des-focagens da realidade. actualidade dormente. prime-time latente. lente sem margem. óptica desviante. o mundo de fio a pavio. em deambulações incessantes. em repetições penosas. a programação segue dentro de momentos. as audiências estão sequiosas.

V. enevoado e combalido, transido de frio e decepção, esquecido de si próprio e da sua humana condição, o olhar afunda-se em barcaças toscas e fragéis. cruza mediterrânicas correntes e europeias cegueiras. em busca de uma ténue ondulação de dignidade. do retorno de um outro olhar.



V. Solteiro, 27.07.08

Direito à esperança...



"O direito à diferença, a tolerância como valor absoluto e irrecusável, a capacidade para descobrir em cada homem um irmão são realidades submersas por postulados ideológicos que impuseram, lentamente, outras liturgias sociais, que têm a ver com tudo menos com os direitos do homem.

Edgar Morin tem razão: 'A indiferença abre campo a todos os horrores'".


Fernando Paulouro das Neves, in "Jornal do Fundão"
"I Hope", fotografia de Mircea Grumaz, in http://www.photoforum.ru/


Somos como árvores...



"Somos como árvores
só quando o desejo é morto.
Só então nos lembramos
que Maio traz em si a Primavera.
Só então, belos e despidos,
ficamos longamente à sua espera."



Poema de Eugénio de Andrade


"Gilding of Heaven", fotografia de Alexander Uspeshny, in http://www.photoforum.ru/

Uma ave chamada Liberdade...

"O que interessa cada vez mais é termos consciência da nossa identidade, numa altura em que, como se sabe, se esbatem as independências, se esbatem as liberdades."


João Aguiar, jornalista e escritor



"Touchdown", fotografia de Igor L., in http://www.photoforum.ru/

Ouvir o silêncio...


"Nunca que ouvimos a nossa vida em nós, só ouvimos é quando chega o seu silêncio."


José Luandino Vieira, in "De Rios Velhos e Guerrilheiros - O Livro dos Rios", Editora Caminho


"Silence", fotografia de Sergei Osipov, in http://www.photoforum.ru/

Rosto negado


"'Com o suor do teu rosto ganharás
o teu pão', escreveram no teu berço.
Dormiste, respiraste e, um dia,
escarneceram do suor do teu rosto.


É hoje, quando tu, filho de Europa,
expulso da seara do teu trigo,
em todos os muros vês escrito
que o suor é vão, e o teu rosto negado."



Poema sem título da autoria de Fiama Hasse Pais Brandão

"Burst of sparkles", fotografia de Berenice Kauffmann Abud, in http://www.photoforu.ru/

Migração


"O efémero é a nossa eternidade.
Mas quem pode proibir a voz?
Tivesse eu a coragem de uma só palavra perfumada...


Pelo longo caminho das aves recupero o voo..."


Poema de Mariah
"Migration", fotografia de Carlos Loff Fonseca, in http://www.photoforum.ru/

Amiga andorinha...


(a Mariah)
bailarinas de puro êxtase, coreografando o lume e as delícias do estio, as andorinhas dançam em círculos concêntricos a música dos astros. irrequietas estrelas deambulando pelos campos de milho ainda imaturo, espigas erguidas ao céu bêbado de azul, estas viajantes do assombro são como saudosos amigos cujo regresso a casa nos estimula e vivifica - devolvendo-nos aquele abraço que lavra o pensamento e o fecunda de sons antiquissímos, ziguezagueantes, vitais.



V. Solteiro, 09.07.08


"Swallow", fotografia de Vytautas Budrevicius, in http://www.photoforum.ru/

A teia...


translúcidos filamentos prateados jazem incandescentes no chão bordado a cantaria. pés vorazes, calçados de monocórdico frenesim, movem-se pelo lodo com os dentes cerrados de desvario. Um halo de crua e silenciosa tensão emana do asfalto. vergados pelo tépido ecossistema, os corpos contraem-se numa estagnação de lago. herméticos, os rostos laboriosamente constroem as suas próprias fortalezas. derrete-se a pele em ânsias de amanhã. de frágeis e longilíneos elos se urde a nossa trama.


V. Solteiro, 08.07.08


"Rising through a web", fotografia de Alexandr Krotkov, in www.photoforum.ru/

Reivindicar a humanidade contida no futuro...


"Se existe qualquer hipótese de futuro, ela só será conseguida a partir da reivindicação da humanidade do homem."


Ernesto Sabato, escritor, ensaísta e artista plástico argentino


"I need more than bread, today", fotografia de Sílvia Marmori, in http://www.photoforum.ru/


Inimagináveis injustiças

"A exclusão não é nova: novo é o contraste entre as capacidades inimagináveis de produção de riqueza e as inimigináveis injustiças na sua distribuição."

Eduardo Lourenço, filósofo, ensaísta e professor universitário
"Belief and Poverty", fotografia de Nada Vujanic, in http://www.photoforum.ru/

O canto mais pungente...

Sábia como a brisa que afaga o restolho, incansável guardiã dos tímidos passos do crepúsculo, habitas a torre do silêncio mais cristalino. Um rumor basta para que as tuas asas, velas rasgando o denso mar nocturno, floresçam no canto mais pungente...
São infinitas as raízes do voo...


V. Solteiro, 02.07.08


"Eagle Owl", fotografia de John Weeks, in http://www.photoforum.ru/

Às escuras...



"Pergunto-me desde quando
deixou de haver futuro
nas janelas.


Janeiro dói nos olhos
como areia
e tu e eu estamos para sempre
sentados às escuras
no Verão."


"Escuro", poema de Rui Pires Cabral

"Dreaming of Fairytailes", fotografia de Oana Ingrid, in http://www.photoforum.ru/