Esta ave não morre!



"Era noite fechada
na cidade insone,
saí para as ruas,
não sei que buscava:
Achei uma ave!
Achei uma ave!

A noite era dia,
a noite era dia,
para quem tinha
achado uma ave.
Ofegante corria,
deslumbrado corria,
a todos mostrava
a todos mostrava
a admirável ave
que na mão levava.

Mostrava-a feliz
aos vagabundos
e às prostitutas,
às criancinhas
e aos desgraçados,
e todos corriam
a meu lado vinham,
e todos levávamos
a ave sonhada:
Olhai esta ave!
Olhai esta ave!

Vinham os jovens
e as moças em flor
a ave pousava-lhes
no bico dos seios;
vinham os poetas
e os operários,
vinham os soldados,
vinham os sábios
e as costureiras:
Esta ave é nossa!
Esta ave é nossa!

A noite era dia
e, cheias as ruas,
éramos um rio
de risos, de lágrimas
de ansiedade;
levávamos o sonho
há muito sonhado,
levávamos a ave:
Onde outra igual?
Onde outra igual?

Foi quando vieram
os que não querem
nem flores nem ave
assim admiráveis;
de armas nas mãos
traziam o fogo
dos vivos infernos:
Largai essa ave!
Largai essa ave!

Então corri para eles
com a ave na mão,
olhei-os nos olhos
com a ave na mão
e a ave cantava,
sem corpo nos galhos
do meu ser violado;
a ave voava
sobre a cidade:
Esta ave não morre!
esta ave não morre!"

"A Ave sobre a Cidade", poema de Papiano Carlos, in "As Florestas e os Ventos"

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