As infâncias que fomos...



"Não sei como o perceberão as crianças de agora, mas, naquelas épocas remotas, para as infâncias que fomos, o tempo aparecia-nos como feito de uma espécie particular de horas, todas lentas, arrastadas, intermináveis. Tiveram de passar alguns anos para que começássemos a compreender, já sem remédio, que cada uma tinha apenas sessenta minutos, e, mais tarde ainda, teríamos a certeza de que todos estes, sem excepção, acabavam ao fim de sessenta segundos..."

José Saramago, in "As Pequenas Memórias"


Fotografia sem título de Mikhail Chepelov, in http://www.photoforum.ru/


A vida fechada à chave...



"Nas cidades, a vida é mais pequena. Os grandes prédios fecham-nos a vista à chave."


Fernando Pessoa


"From below upwards", fotografia de Dmitrij Bodunov, in http://www.photoforum.ru/

A minha casa...



"Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra.]"


Poema de Daniel Faria

"Heaven' s way", fotografia de Silvia Marmori, in http://www.photoforum.ru/

Pequena e trémula chama...



"(...) Não somos robôs nem pedras falantes, senhor agente, disse a mulher, em toda a verdade humana há sempre algo de angustioso, de aflito, nós somos, e não estou a referir-me simplesmente à fragilidade da vida, somos uma pequena e trémula chama que a cada instante ameaça apagar-se, e temos medo, acima de tudo temos medo (...)"


in "Ensaio sobre a Lucidez", José Saramago, Editorial Caminho
"Flame", fotografia de Ilja Sikerin, in http://www.photoforum.ru/

Memórias...


"Inventar estórias é o que todos escritores fazem. Parece uma necessidade da condição humana. Tem a ver com um desejo poético de inscrever no tempo, tempos que não tinham sido falados com palavras de dizer ou de escrever. Além de as convocar, gosto de ser assaltado por memórias. Mantêm-me desperto, atento e trazem-me ao quotidiano uma certa magia."


Ondjaki, escritor angolano, in "Jornal de Letras, Artes e Ideias"


"Memories", fotografia de Oana Ingrid, in http://www.photoforum.ru/


As palavras são como um cristal...



"São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.


Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.


Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.


Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?



"As Palavras", poema de Eugénio de Andrade

"Crystal Structure", fotografia de Eldreamer, in http://www.photoforum.ru/

Ilusão


"O segredo de viver com um mínimo de sofrimento na voragem do mundo reside em atrair o maior número de pessoas para as nossas ilusões."

in "A Mancha Humana", de Philip Roth, Publicações Dom Quixote, 2004

"Eternal Friendship", fotografia de Alex Ranedo Klein, in http://www.photoforum.ru/

No meio das estrelas...


"A Poesia tem pés de terra.]

Quando a atiramos para o céu]
fica só e transida]
no meio das estrelas]
- a chorar com saudades dos homens]
e da morte."



"Cinzas/I", poema de José Gomes Ferreira

"Stars", fotografia de Egor Ukraintsev, in http://www.photoforum.ru/


Simetria



"Nada dura e, todavia, nada acaba, também. E nada acaba precisamente porque nada dura."


in "A Mancha Humana", de Philip Roth, Publicações Dom Quixote, 2004

"End of the road", fotografia de Dimitar Zvezdov, in http://www.photoforum.ru/

Mar sem fim...



"Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que suponho
Seres um milagre criado só para mim."



"Mar sonoro", poema de Sophia de Mello Breyner Andresen

"Coming back from the fishing", fotografia de Berenice Kauffmann Abud in http://www.photoforum.ru/

Aqui o tempo...



"Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade."



"Liberdade", poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


"Storm Warning", fotografia de Sandra Battaglia, in http://www.photoforum.ru/

O poema ensina a cair...



"O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede


até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma."



"O poema ensina a cair", poema de Luiza Neto Jorge

Fotografia sem título de Aleksej Mozolev, in http://www.phoforum.ru/



Para sempre...


"A minha filha perguntou-me
o que era para a vida inteira
e eu disse-lhe que era para sempre.

Naturalmente, menti,
mas também os conceitos de infinito
são diferentes: é que ela perguntou depois
o que era para sempre
e eu não podia falar-lhe em universos
paralelos, em conjunções e disjunções
de espaços e tempo,
nem sequer em morte.

A vida inteira é até morrer,
mas eu sabia ser inevitável a questão
seguinte: o que é morrer?

Por isso respondi que para sempre
era assim largo, abri muito os braços,
distraí-a com o jogo que ficara a meio.


(No fim do jogo todo,
disse-me que amanhã
queria estar comigo para a vida inteira)"



"Silogismos", poema de Ana Luísa Amaral

Fotografia sem título de Maxim Slugin, in http://www.photoforum.ru/

Cristal


"(...) Está tudo a ferver. Comprei uma grande panela e lá dentro meti a juventude, o medo, a alegria, que vou mexendo à espera que um dia tudo isso se cristalize e de lá caia uma pinga muito transparente (...)."


José Rodrigues, escultor
"The country of icicles", fotografia de Anna Kalinkina, in http://www.photoforum.ru/

Pluma



fecunda
de radiosas
plumas
encimada
a luz
despiu
seus raios
para sentir
a noite
crescente
e vaporosa
subir
a prumo
dentro
do peito


V. Solteiro, 06.06.08

A fonte: "desta paisagem não me esqueci", poema de Maat in http://omaratinge-nos.blogspot.com/
Fotografia sem título de Eva Mont, in http://www.photoforum.ru/

A voz das pedras


(a Natália Correia)


creio
na voz
das pedras
no riso
dos sargaços

creio
nos lábios
das nuvens
na seiva
dos regatos

creio
no magma
marinho
na colossal
força
dos búzios

creio
na germinação
da língua
em minúsculos
grãos
de areia

e que as pétalas
se espreguiçam
nos sinfónicos
dedos
da madrugada


V. Solteiro, 05.06.08

Ler o real...



ler
é
pecado

conheço todas as letras de um rua isolada

ler
quebra
as
correntes
do medo

a madame ferreira não vem em nenhum livro

ler
destrói
as
células
do indivíduo
da sub
missão

conta estórias às formigas
os meus dedos são uma plantação
no infinito

lerrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

faz
encher
os depósitos
da alma
com o combustível
da indignação

há um dialecto novo nos bosques
para entrar luz

ler
pode
provocar
morte
lenta
dolorosa
milagrosa

o poema não pede lógica
mas ressureição!

Oh! Liberté!

milhões
catam
livros
à procura
de migalhas
de pãoesia

Oh! Liberté!


Dueto interpretado por Maat - http://vivaosol.blogspot.com/ e V. Solteiro (Maio de 2008).

Fotografia sem título, de Dmitry Polyakov, in http://www.photoforum.ru/


Ler o outro...

"Ler muito é um dos caminhos para a originalidade; uma pessoa é tão mais original e peculiar quanto mais conhecer o que disseram os outros."

Miguel de Unamuno, escritor, poeta e filósofo espanhol


"Light on line", fotografia de Elen Zurita, in http://www.photoforum.ru/