Não vacila a haste
que semeias
com mãos prenhes
de futuro
É fundo o veio
que a sustenta
Absorve o perfume
que os teus passos
movem
São eles que cultivam
o chão de jardins
de estrelas
V. Solteiro
Tempo inquinado
envenenado pelo arpão da cobiça
ferido pelo gume da iniquidade
Este é o tempo ausente
contaminado pela cinza do cinismo
vergastado pela poeira da hipocrisia
Este é o tempo amarrotado
o tempo da mudez infligida
o tempo da pequenez altiva
Este é o tempo do fruto macerado
o tempo da semente calcinada
o tempo da palavra rasgada
Tempo raso
Onde até a água das lágrimas
nasce inquinada
V. Solteiro
Os estilhaços do sol
No espelho de sal
quebro
o elo da frágua
o eco da mágoa
Vergo o corpo
em rotativa inflexão
com os estilhaços
do sol
Texto e fotografia
de V. Solteiro
O tron[c]o do outono
cai
levanta-se o chão
vestido de madre-pérola
Assim o dedo nu
ao florir
no arco do peito
Texto e fotografia
V. Solteiro
V. Solteiro
Usu*fruto
A espera
adensam-se de nuvens
quando o céu
vergado pela monção
não suporta mais
a espera
Texto de V. Solteiro
A pulso
Soul, de Irina Z. |
Toma o pulso aos objectos que gravitam no coração da treva. Ausculta-lhes os sinais vitais.
Também eles sussurram às paredes os seus desvarios.
Também eles projectam as suas sombras ao entardecer.
Decifra o mistério do sangue no poente.
Descodifica-lhe as coordenadas que conduzem à sua irradiação.
Tudo se constrói pelos veios da luz. Pelos êmbolos da claridade.
Não é o teu corpo um ponteiro escuro e frio à espera de corda para se erguer na haste do dia?
Texto de V. Solteiro
A.linha
aturdidas de sono e de cansaço
as suburbanas andorinhas
estilhaçam as pálpebras do céu
com seu voo elíptico e rasante
no reflexo de um outro olhar
buscam a geometria
que alinha as asas ao futuro
Texto de V. Solteiro
Sinais de fumo
Na bolsa a tiracolo
carrego o peso do mundo:
uma pacotilha de filtros, mortalhas,
algum tabaco de enrolar.
algum tabaco de enrolar.
Quando o caminho me toma
no regresso a mim
costumo fazer
sinais de fumo.
sinais de fumo.
Texto de V. Solteiro
A pedra
Com a enxada da palavra
cavo a leira dos rebentos.
Por vezes, a lâmina das sílabas
faísca numa pedra mais agreste
escondida debaixo da terra.
Apanho-a e perscruto-a
com curiosidade de geólogo.
É uma pedra de múltiplas faces.
Contudo, só uma reluz quando lhe toco.
Mas é a aresta mais obscura e rugosa
a que me interpela.
Texto e fotografia
de V. Solteiro
de V. Solteiro
uma letra só
não aguenta
a complexidade
da lágrima
uma letra só
não sustenta
o labirinto
da razão
uma letra só
verga ao peso
do alfabeto
letra-viva
ela balança o sol
transfigurada
num simples gesto
ela balança o sol
transfigurada
num simples gesto
Texto de V. Solteiro
Chegada é a partida...
à boca do túnel
nos carris d'ouro
irrompe a locomotiva do afago
pirilampo de fumegantes trajectos e dialectos - refulgente metal
onde o vapor nunca se evola
Texto de V. Solteiro
Nos lábios ferve um país
Re.acção
"Às vezes, faz falta uma revolução. Na falta dela, faz falta gente – volto ao princípio... – que, com a lucidez e a coragem necessárias, seja capaz de provocar reacções. Quando se provoca, obriga-se o provocado a pensar, é meio caminho andado para dar um passo em frente."
José Saramago
Há os que fingem...
Stefan Andronache |
"Há os que fingem ignorar a realidade; há os que a desfiguram e nessa desfiguração encontram um universo onde se refugiam; há os que pensam que a melhor forma de resolver os problemas é afastá-los para longe. Há tudo isso, nesse mundo diverso e dicotómico que se desdobra entre a realidade e a ficção."
Fernando Paulouro das Neves, in Jornal do Fundão
[a]corda
sonegam a ínfima luz que resta.
Enterram-na no mercado do estupro
e do estupor.
No alçapão dos espoliados
escondem um país que jaz.
Tecem loas ao vácuo
que faz vibrar
a corda dos desesperados.
Texto de V. Solteiro
Fotografia sem título de Irina Pidova
Fotografia sem título de Irina Pidova
Do fundo [não se vê o fundo]
O fundo perguntou ao fundo
se no fundo
ele queria ser
lacaio ou carrejão.
O fundo, mirando-se ao espelho,
do fundo disse:
- 'Já que o poço
nos cobra aos dois
até o próprio pescoço
deixa ao menos
que eu seja a corda
que os morde
até ao osso!'
Texto de V. Solteiro
Fotografia de Xviper - "It is all about money"
Fotografia de Xviper - "It is all about money"
A treva e o trevo...
Semeia até onde a vista alcança.
Arranca a treva e colhe o trevo.
Ceifa a desesperança.
Nas tuas mãos cresce
o trigo da mudança.
Texto de V. Solteiro
Fotografia de Vincent Dimitriov - "Wheat, clouds and bright blue sky"
Fotografia de Vincent Dimitriov - "Wheat, clouds and bright blue sky"
O caule e a cal...
Não cales o sangue que corre
na nuvem do gesto.
Com mãos de cal
rasga a folha que ainda verte
o canto da trégua.
Fulmina os dedos
da tempestade!
Nas veias do relâmpago
há uma língua que se refaz.
No caule da saliva
há um pulso que não se aquieta.
Texto e fotografia de V. Solteiro
[a]Fiar o tempo
centelha de luz
desfiando
a colcha do tempo
a borboleta
desenha na íris
a branca asa
do linho
Texto e fotografia
de V. Solteiro
Edgar Carneiro: irmão do mar, filho dos montes...
"Desaperto as grades
Com a mão segura
E liberto as aves.
Elas sobem tontas;
Rodopiam livres;
E, serenas, partem
Para além dos montes.
São apenas pombas,
Ou a profecia
De mudança breve?
Entretanto, espero;
E na tarde fria
Vai ardendo a neve."
"Mudança", poema de Edgar Carneiro, in "A Faca no Pão", edição & etc - Publicações Culturais Engrenagem, Lda., 1981
http://nota20.webege.com/jan2011_n02_p01_m.html
Fotografia de Filipe Couto - http://www.espinho.tv/
Casa-mãe
Escuta atentamente o coração das coisas inanimadas.
Repara como se inclinam à passagem dos astros.
No dorso da casa, mãe, os objectos vibram
a membrana de uma asa, o golpe de um navio.
Vê com as tuas próprias mãos.
Os alicerces do corpo rangem ainda a ausência dos cálidos gestos.
Fendas de luz que não me deixam partir.
Texto de V. Solteiro
Repara como se inclinam à passagem dos astros.
No dorso da casa, mãe, os objectos vibram
a membrana de uma asa, o golpe de um navio.
Vê com as tuas próprias mãos.
Os alicerces do corpo rangem ainda a ausência dos cálidos gestos.
Fendas de luz que não me deixam partir.
Texto de V. Solteiro
O nome das nuvens
Finda o dia
na pálpebra da nuvem
e já a estrela polar
olhar cativo na combustão
do corpo celeste
clama pelo solstício
do teu nome
Texto e fotografia
de V. Solteiro
À volta...
Ainda que tudo à volta
desfaleça
e te pareça mudo
há sempre um rumo.
Sabes:
Também a rosa
cresce a prumo.
Texto de V. Solteiro
Fotografia de Svetlana Vollevskaya
desfaleça
e te pareça mudo
há sempre um rumo.
Sabes:
Também a rosa
cresce a prumo.
Texto de V. Solteiro
Fotografia de Svetlana Vollevskaya
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