Pela berma da tarde...


Um homem quebra o espelho do medo.
Com a determinação do quartzo, ele move
uma cadeira de rodas pelo pulso do futuro.
Quebrado, mas não rendido, o seu corpo
é um turbilhão sem centro nem periferia.
Surdo à lava do ruído, cego ao mármore do olhar,
o homem é um géiser imparável.
Dentro de si vagas explodem contra o paredão do desamparo. 
Prende-o o cinto do pensamento, o movimento erecto e centrípeto da combustão. 
Plena. Pura. 
Terra, vísceras e fogo, tudo se interpenetra com
o gélido sangue da realidade.
Alheia aos estilhaços, uma mulher, mãos enlaçadas
com a tristeza do asfalto.
Pela berma da tarde, os dois, rostos fechados, 
são uma máquina ofegante devorando o declive do infortúnio.

V.Solteiro