"Quando se é mais novo, a ideia de morte é tão longínqua que normalmente pensamos que nunca morremos. É uma das maiores desgraças que pairam sobre o mundo moderno. As pessoas que estão no poder, sobretudo, devem pensar que nunca vão morrer. É por essa razão que são tão estúpidas.
A modernidade elidiu a ideia da morte. É uma omissão incrível. Um dos factores mais negativos do comportamento da nossa sociedade. Deveria ensinar-se aos miúdos, na escola, da maneira mais natural, que temos de morrer. A ideia de sermos mortais ajuda muito a viver. Mas a nossa sociedade escondeu totalmente a ideia da morte. Em compensação, porém, estamos cheios de cadáveres. É só abrir a televisão. Como pode funcionar bem uma sociedade em que há muitos cadáveres mas não há a ideia da morte?"
António Tabucchi, in jornal Público, suplemento Mil Folhas, in 22.04.06, a propósito do seu livro, "Tristano Morre", Editora Dom Quixote
"Death", fotografia de Rodrigo Torres, in www.photoforum.ru/
Mãos que sangram...
"Não se perdeu teu sangue generoso,
Nem padeceste em vão, quem quer que foste,
Plebeu antigo, que amarrado ao poste
Morreste como vil e faccioso.
Desse sangue maldito e ignominioso
Surgiu armada uma invencível hoste...
Paz aos homens e guerra aos deuses! - pôs-te
Em vão sobre um altar o vulgo ocioso...
Do pobre que protesta foste a imagem:
Um povo em ti começa, um homem novo:
De ti data essa trágica linhagem.
Por isso nós, a Plebe, ao pensar nisto,
Lembraremos, herdeiros desse povo,
Que entre nossos avós se conta Cristo."
"A Um Crucifixo", poema de Antero de Quental
"Blood & Love", fotografia de Petri Volanen, in www.photoforum.ru/
A-dentro de nós...
"(...) Nós temos vivido sobretudo em função de uma imagem irrealista. Sempre no nosso horizonte de portugueses se perfilou como solução desesperada para obstáculos inexpugnáveis a fuga para céus mais propícios. Chegou a hora de fugir para dentro de casa, de nos barricarmos dentro dela, de construir com constância o país habitável de todos, sem esperar de um eterno lá-fora ou lá-longe a solução que como no apólogo célebre está enterrada no nosso exíguo quintal. Não estamos sós no mundo, nunca o estivemos. As nossas possibilidades económicas são modestas, como modesto é o nosso lugar no concerto dos povos. Mas ninguém pode viver por nós a dificuldade e o esforço de uma promoção colectiva do máximo daquilo que adentro dessa modéstia somos capazes. Essa promoção passa por uma conversão cultural de fundo susceptível de nos dotar de um olhar crítico sobre o que somos e fazemos, sem por isso destruir a confiança nas nossas naturais capacidades de criação autonomizada, dialogante como tem sido sempre, mas não sob a forma de uma adaptação mimética."
Eduardo Lourenço, in "O Labirinto da Saudade", Novembro de 1988, Publicações Dom Quixote
"Leaf", fotografia de Peter Scharwz, in www.photoforum.ru/
Oxalá...
"Podem pisar-te como à erva ruim
E dizer que essa terra não é tua,
Podem matar os teus, sacrificar-te,
Pretendendo que o teu reino é o da lua,
Podem forças obscuras conjurar-se
P'ra roubar o que desde sempre te cabia,
Podem queimar-te e arrasar-te
Mas não negar a luz do dia.
Podem erguer um muro de mentira
Para deter os ventos do deserto
Mas eles amam-te e são teus
Sempre voltarão e hão-de ficar perto.
Teus filhos hão-de saber salvar-te,
Terra mártir, altiva e beduína,
E a meiga pomba da paz e da alegria
Pousará, de novo, em ti, ó Palestina."
"Palestina", poema de Adalberto Alves
Este poema foi lido pela primeira vez durante a Exposição Cultural Palestiniana levada a cabo em Beja, em 11 de Julho de 1986.
Ao poeta, ensaísta e tradutor Adalberto Alves foi recentemente atribuído o Prémio Sharjah para a Cultura Árabe, criado pela Unesco.
"Palestina Liberta!", fotografia de Vladimir Melnik, in http://www.photoforum.ru/
O mar chama...
cume
dos ombros
A sua sinuosa
orografia
lembra
dos ombros
A sua sinuosa
orografia
lembra
a textura
das algas
flutuando
à deriva
num mar
das algas
flutuando
à deriva
num mar
em chamas
Poema e foto
de V. Solteiro
Verde que te quero verde II
"vi-me nascer, crescer, sem ruído
sem galhos que doam como braços
calada
sem palavra para ferir no ventre"
Poema de Maria Costa
Foto de V. Solteiro
Parque Nacional da Peneda-Gerês
Vocábulos amados...
" (...) Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda... Tudo está na palavra... Uma ideia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes... São antiquíssimas e recentíssimas.Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada...Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas...Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes...o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando...Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo...Deixaram-nos as palavras."
Pablo Neruda
Texto gentilmente enviado por Maat - http://opodaescrita.blogspot.com/
"Reading", fotografia de Ioan Ciobotaru, in http://www.photoforum.ru/
À procura...
"Se tivesse que me descrever, diria que sou uma pessoa à procura de palavras e que às vezes as encontra".
Dinis Machado, jornalista e escritor, em entrevista a Clara Ferreira Alves, in jornal "Expresso", 1999
"Hay", fotografia de Vitaly Klitin, in http://www.photoforum.ru/
A liquidez das sombras...
"líquidos dias
do tempo breve e profundo
com as sombras
repartindo
os verdes"
Poema de Maat
http://omaratingenos.blogspot.com/
Foto de V. Solteiro
Parque Nacional da Peneda-Gerês
Num segundo...
"E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a vida nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos"
"E por Vezes", poema de David Mourão-Ferreira
"Anatomy of the Nature", fotografia de Kristina Buceatchi, in http://www.photoforum.ru/
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