Estes rios que de nós correm...



"As lágrimas interiores choradas
em outras horas queimam-te, defloram-te, secam-te.

A ansiedade já esgotada
tornou-te o peito um lago.
Ou um campo aberto, fundamento cavo.

Que venham novas, brandas lágrimas,
após tantos dias rancorosos.
E com elas...
mais nada, mais nada, mais nada.

Jugulada a maldade,
morta a inveja.

Estes rios que de nós correm,
que a nenhum mar vão ter,
indepósitos, perdidos e doces,
finalmente doces,
que fluam,
que corram,
corram..."


Excerto de "Bagatelas", poema de Irene Lisboa, publicado no Diário Ilustrado a 23-7-1957

http://www.instituto-camoes.pt/CVC/figuras/irenelisboa.html



2 comentários:

Maria Azenha disse...

Hoje deixo-te esta maravilha,de Yannis Ritsos,
que te dirá muitíssimo.Será?

A OUTRA CIDADE

«Há muitas solidões cruzadas – diz – em cima a em baixo
e outras no meio; diferentes a semelhantes, forçadas e impostas
ou como que escolhidas, como que livres – mas sempre cruzadas.
Mas no fundo, no centro, há apenas uma solidão – diz;
uma cidade vazia, quase esférica, sem quaisquer
anúncios luminosos multicores, sem lojas, sem motocicletas,
com uma luz branca, vazia, brumosa, interrompida
por centelhas de desconhecidos semáforos. Nesta cidade
habitam desde há anos os poetas. Caminham silenciosos de braços cruzados,
recordam factos imprecisos, esquecidos, palavras, paisagens,
estes consoladores do mundo, sempre inconsolados, perseguidos
pelos cães, pelos homens, pelos vermes, pelos ratos, pelas estrelas,
perseguidos até pelas suas próprias palavras, ditas ou não ditas.»

Yannis Ritsos
Grécia (1909-1990)

Obrigada pela Irene

lupuscanissignatus disse...

Sim, diz. O texto é prodigioso. Pela estrutura e pelo conteúdo.

Obrigado. Bom fim de semana.