Palavras vestidas de cinzas


Disformes e oblíquas
bocas expelem
palavras de cinza

Erodidas pelo vento
e pela corrosão das imagens

as suas línguas bífidas
atraem incautos insectos

Águas tépidas e cansadas
povoadas de limos

e de nenúfares
espraiam-se
pelas saliências

dos seus contornos

A cal que lhes brota

das fissuras dos lábios
alimenta o pântano
onde a apatia se compraz
e a submissão se deleita

O deserto que semeiam
com a saliva adjectivada
de inócuos vocábulos
é húmus para a indiferença

A poeira que levantam
com o seu olímpico desdém
e a expressão dúbia

no seu cínico riso
são mais que um lembrete

ou um aviso -

são sementes de inacção



V. Solteiro, 05.08.07


Imagem: Peça de um conjunto de trabalhos de Tânia Bloomfield, intitulados "Da cinza à cinza, do pó ao pó". Vale a pena vê-los em:


http://www.artenauniversidade.ufpr.br/muvi/artistas/t/tania_bloomfield/tania_bloomfield.htm

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