Ardea cinerea



(A uma lagoa que me viu nascer, habitat de todos os sonhos e utopias)

Como o arado
revolve a terra
quente e húmida
assim a garça real
sulca o céu
vestido de chumbo

A silhueta do poente
reflecte-se
nos seus lânguidos
gemidos
súplica içada
ao mastro
da Humanidade

Vista cá do fundo
do solo
em que me dissolvo
a sua presença
luminiscente
lembra-me
as asas
de um querubim

As suas ressonâncias
graves e côncavas
ecoam pela lagoa
desvanecendo-se
no tremor do caniço

Estes são os despojos
de um dia
que voou num turbilhão
de sedimentos
e veio pousar
levemente
nas asas da memória

V. Solteiro, 20.04.07

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