O fogo da voz...



Ontem tive o privilégio de ver e ouvir aquele que é, por todas as razões e mais alguma, o maior intérprete musical português vivo. O homem de quem falo é um cidadão de Lisboa, de Portugal e do mundo. É, em simultâneo, um homem de uma e de todas as cidades. Chama-se Carlos de Carmo e tem, além de uma carreira brilhante e de uma voz que é em si uma parte crucial da história do fado, uma presença em palco que nos inebria e contagia com a sua simplicidade e humildade. Isso mesmo ficou patente quando, inopinadamente, as pilhas do microfone resolveram terminar o concerto antecipadamente e ele, sem se fazer rogado, encantou a plateia repleta do auditório da Academia de Música de Espinho, com a sua voz timbrada e melodiosa.

Foi um concerto absolutamente memorável. Dos melhores que tive o grato prazer de assistir em toda a minha vida. Pela partilha. Pelo intimismo. Pelo humor fino e refinado. Pela empatia com o público. Pelas história(s) de vida(s) que precediam cada tema. Pelos temas novos (ainda não editados) que interpretou. Pela beleza incomensurável das letras de alguns dos melhores poetas portugueses (Ary dos Santos, Pedro Homem de Melo, Fernando Pessoa). Pela genuinidade da música produzida por outros tantos criadores nacionais (António Vitorino de Almeida, Fernando Tordo).

Por tudo isto, mas principalmente por aquilo que aqui não é dito (pequeninos fogachos de felicidade que não têm correspondência em palavras), este concerto vai ficar gravado na minha memória como aquele em que o fogo da voz de um homem que canta como ninguém o fado crepitou e incendiou a noite fria de Espinho...

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