"Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne.
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
folhas dormindo o silêncio
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das coisas
e a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra a carne e o tempo."
"O Poema/I", de Herberto Helder, Funchal, 1930
"Blood system of desert", fotografia de Sergey Militsky, in http://www.photoforum.ru/
5 comentários:
um dos meus eleitos...coroa o tempo...
***maat
O poeta do mistério, de leitura "aspera" e "lenta".
Denso e de certo modo "pesado", que tens poemas lindíssimos em que palavra tem um lugar, inequivocamente, muito importante.
Apesar disso, é um dos meus preferidos, que já publiquei e voltarei a fazê-lo em breve
Olá Maat!
...e transforma o poema num delicadíssimo reino...
Olá Meg!
Intrincado. Denso. Intenso.
Torrente de águas bravas...
Olá Ramon!
Gosto desta poesia que nos revolve as entranhas...
E faz o sangue fervilhar...
Abraço.
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