Da filosofia do natal e outros sais...



Cúmplices
de densos
e opacos
silêncios
os comensais
globais
pródigos
filhos
de neo
evangelismos
e outros
paroxismos
abriram a época
da caça
ao natal
com um ritual
de louvor
á estultícia

Paulatina
mente
como quem
sente
dentro de si
o insondável
mistério
do despautério
os sacrossantos
representantes
dos altares
capitais
e beligerantes
irmandades
não descartam
os seus natais
ufanantes

Travestidos
a rigor
eles tudo fazem
por amor
á sua algibeira

Dedos pejados
de gordurosos
anéis
os imortais
comensais
pregam
os salmos
aos infiéis
que ousam
denegrir
os seus
magnos
papéis

Papa-léguas
de extenuantes
ramificações
eles exortam
a caridade
com a mesma
leveza
com que
bombardeiam
os corações

Frugais
como leões
em circo
romano
eles sonegam
o pão
e correm
o pano
sobre a miséria


Com um
desprendimento
ascético
eles abrem a boca
com o seu inefável
sorriso
eléctrico


Arautos
de sofisticadas
tecnologias
os comensais
tribais
não escondem
a azia
que lhes causa
essa gentalha
que desconhece
o valor da filosofia


V. Solteiro, 19.12.07

9 comentários:

ॐ Hanah ॐ disse...

Disse tudo....

Maria Azenha disse...

terrível e verdadeiro!!!

está aqui o Circo do Natal.

***maat

Maria Azenha disse...

Não resisto a deixar-te este poema enviado por uma Querida Amiga.

SABER VIVER É VENDER A ALMA AO DIABO





Gosto dos que não sabem viver,
dos que se esquecem de comer a sopa
(«Allez-vous bientôt manger votre soupe,
s... b... de marchand de nuages?»)
e embarcam na primeira nuvem
para um reino sem pressa e sem dever.

Gosto dos que sonham enquanto o leite sobe,
transborda e escorre, já rio no chão,
e gosto de quem lhes segue o sonho
e lhes margina o rio com árvores de papel.

Gosto de Ofélia ao sabor da corrente.

Contigo é que me entendo,
piquena que te matas por amor
a cada novo e infeliz amor
e um dia morres mesmo
em «grande parva, que ele há tanto homem!»

(Dá Veloso-o-Frecheiro um grande grito?...)

Gosto do Napoleão-dos-Manicómios,
da Julieta-das-Trapeiras,
do Tenório-dos-Bairros
que passa fomeca mas não perde proa e parlapié...

Passarinheiros, também gosto de vocês!
Será isso viver, vender canários
que mais parecem sabonetes de limão,
vender fuliginosos passarocos implumes?

Não é viver.
É arte, lazeira, briol, poesia pura!

Não faço (quem é parvo?) a apologia do mendigo;
não me bandeio (que eu já vi esse filme...)
com gerações perdidas.

Mas senta aqui, mendigo:
vamos fazer um esparguete dos teus atacadores
e comê-lo como as pessoas educadas,
que não levantam o esparguete acima da cabeça
nem o chupam como você, seu irrecuperável!

E tu, derradeira geração perdida,
confia-me os teus sonhos de pureza
e cai de borco, que eu chamo-te ao meio-dia...

Por que não põem cifrões em vez de cruzes
nos túmulos desses rapazes desembarcados p'ra morrer?

Gosto deles assim, tão sem futuro,
enquanto se anunciam boas perspectivas
para o franco frrrrançais
e os politichiens si habiles, si rusés,
evitam mesmo a tempo a cornada fatal!

Les portugueux...
não pensam noutra coisa
senão no arame, nos carcanhóis, na estilha,
nos pintores, nas aflitas,
no tojé, na grana, no tempero,
nos marcolinos, nas fanfas, no balúrdio e
...sont toujours gueux,
mas gosto deles só porque não querem
apanhar as nozes...

Dize tu: - Já começou, porém, a racionalização do trabalho.
Direi eu: - Todavia o manguito será por muito tempo
o mais económico dos gestos!

*

Saber viver é vender a alma ao diabo,
a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,
a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,
a um satanazim que se dá por contente
de te levar a ti, de escarnecer de mim...



Alexandre O'Neill (1924-1986)


***maat

Dalaila disse...

este texto está inspiradissimo em humor,.....

Fantastico Victor... estas filosodias!!!!!!!!

irritantes,
insuportavéis,
mas muito reais

beijinho

lupuscanissignatus disse...

Olá Hanah!

Tudo já foi dito...

Há pouco de original...

lupuscanissignatus disse...

Olá Maat!

Isso mesmo: o circo e todas as suas feras...

Irressistível, o poema que gentilmente enviaste...

Obrigado.

lupuscanissignatus disse...

Olá Dalaila!

Ainda bem que gostaste...

Estas filosofices sairam-me de rompante, depois de ter lido um belíssimo e irónico poema da Maat sobre a hipocrisia que anda por aí á solta nesta época...

Beijinho.

ॐ Hanah ॐ disse...

Olá Luppusignatus,


é Tudo original ....

"A lição sabemos de cor, só nos resta aprender"....

beijooooooo

lupuscanissignatus disse...

Olá Hanah!

...E aprende-se tanto com quem aqui vem arquitectar.

Antes de mais, o valor da amizade e da humildade.