À porta do amor...


"Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
figas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizede um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam á porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.


Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.


Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?"


"Seria o Amor Português - Variações sobre um fado", poema de Fernando Assis Pacheco


"Magic door", fotografia de Max Lomov, in http://www.photoforum.ru/

7 comentários:

Unknown disse...

Que importa que batas à porta....

A árvore dos afectos já ganhou raízes tão profundas... quando alguém bater à porta do teu coração, já não consegues afastar as raízes que cresceram....

Esperar é aceitar que algo está por complementar....mesmo que seja o nosso ser...

Continuo à espera....

Memória transparente disse...

"A porta mora à espera
De perfil se ensombra
E descansa
O degrau é paciência
O umbral anúncio
O silêncio é o lugar
Onde baterão as mãos"


Daniel Faria.

Meg disse...

...a solidão é uma espinha insidiosamente alojada na garganta.Um pássaro morto no jardim com neve.
Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Há quanto tempo não lia nada de Fernando de Assis Pacheco!
Obrigada
Um abraço

hfm disse...

Belíssimo!

Maria Azenha disse...

o Outro que ocultamente se espelha...procuramo-lo por toda a parte do mundo...

Marinha de Allegue disse...

Doce sentimento, arrecendo de vida...

Unha aperta.
:)

Anónimo disse...

that is beautiful... i love it! :)