Entre luz e sombra...

"Toda a nossa existência é uma luta entre duas forças antagonistas, a necessidade de luz, da consciência e a força da sombra, uma forma ininteligível que actua nas trevas, no sono da alma, no nosso inconsciente."

Ernesto Sabato, escritor, ensaísta e artista plástico argentino

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ernesto_s%C3%A1bato

"Six", fotografia de Kirill Kochetkov, in http://www.photoforum.ru/

Ramificações...



"Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne.
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.


Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
folhas dormindo o silêncio
- a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das coisas
e a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra a carne e o tempo."



"O Poema/I", de Herberto Helder, Funchal, 1930

"Blood system of desert", fotografia de Sergey Militsky, in http://www.photoforum.ru/

Lágrimas da noite...

Fotografia de V. Solteiro, Serra do Caramulo, Janeiro de 2008

"Em algumas manhãs, quando ainda percebo o orvalho nas folhas, nas flores, chego a pensar que são lágrimas da noite, resquício, quem sabe, por não querer que o dia chegue..."
Pensamento de Edna Battaglini

Encontro...


"A inocência é uma palavra com uma carga muito forte. Tem a ver com a luz, com a água que corre, com sermos capazes de palpitar, de fremir. Sermos capazes de dizer que a poesia acontece. Estou a lembrar-me daquela frase do Picasso, que acho fascinante: ’Não procuro, encontro’ É essa inocência que permite os encontros mágicos e fascinantes que dão sabor à vida."

Lagoa Henriques, escultor

"Meeting", fotografia de Guzik Mark, in http://www.photoforum.ru/

Os percursos da procura...

"Exultantes se fizeram, entre utopias e dúvidas, terrores e deslumbramentos, os percursos da procura."

Fernando Dacosta, escritor e jornalista
"The crossroad", fotografia de Tadas Trinkunas, in http://www.photoforum.ru/

Interior


"Quando olho, a partir de fora, para a minha vida, ela não me parece especialmente feliz. Mas não posso apelidá-la de infeliz, apesar de todos os erros. É completamente disparatado falar de felicidade ou infelicidade, porque me parece que dou mais importância aos dias mais infelizes da minha vida do que aos dias alegres. Quando na vida se aceita conscientemente o inevitável, se prova o bem e o mal e se alcança, na proximidade com o exterior o destino interior, íntimo e não casual, então a minha vida não foi pobre e não foi má. Se o meu destino exterior passou por mim, como por todos, inevitável e fatal, imposto pelos deuses, é este o meu destino interior, a minha própria obra, cuja doçura ou amargura vem ao meu encontro e pela qual penso ter a responsabilidade absoluta (...)."



Herman Hesse, escritor, in "Gertrud", Editora Difel, 2001
"Gugenheim Museum Interior", fotografia de Nathan Kern MD, in http://www.photoforum.ru/

Rostos de pedra


Fotografia de V. Solteiro,
Serra do Caramulo,
Janeiro de 2008


Semblante
carregado
de névoa
e estrelas
observas
com minúcia
o duro
e frio
talhe
do granito
no rosto
dos homens


V. Solteiro, 26.01.08

Manhã de lágrimas...

Fotografia de V. Solteiro,
Serra do Caramulo,
Janeiro de 2008

No tambor

da alba

ressoa

ainda

o primicial

ardor

Na sua pele

fresca e lisa

rumoreja

ainda

o líquido

alvor

Sob

a volúvel

teia

do restolho

um incêndio

crepita

É nas

labirínticas

labaredas

da noite

que o orvalho

tece

as lágrimas

da manhã

V. Solteiro, 25.01.08


Esquisso

Fotografia de V. Solteiro.
Caramulinho,
o ponto mais alto da Serra do Caramulo,
Janeiro de 2008

Hoje

pinto

a fronte

do céu

de

luz

e som

bras

de

pálpebras

e de

íris

Etérea

Cristalina

Mineral

Fonte

vestida

de musgo

poeira

e prodígios

Magma

palpitando

no ventre

da tela

Como

convém

a seres

esquivos

V. Solteiro, 23.01.08


A verdade repartida...


"(...) Por isso todas as noites
acredito no dia,
e quando tenho sede acredito na água,
porque acredito no homem.
Acredito que vamos subindo
o último degrau.
Dali veremos
a verdade repartida,
a simplicidade implantada na terra,
o pão e o vinho para todos."


Excerto do poema III, intitulado "A Cidade", de Pablo Neruda, in "As Uvas e o vento", tradução de Albano Martins, Editora Campo das Letras, 2007
"True Indians", fotografia de Slava Dzybenko, in http://www.photoforum.ru/

Incandescente...



"(...) A paixão é um momento incandescente do amor. O verdadeiro amor é aquele que se transcende naquilo que ama, e não aquele que fica prisioneiro daquilo que ama.

De alguma forma fui um homem de uma só paixão. Ou por outra, toda a paixão é a mesma paixão. Se ela se repete, ou se temos a impressão que revivemos uma grande paixão, é porque nenhuma paixão, mesmo a mais alta, em si mesma se esgota. Portanto, tem de ser perdida, reencontrada, reinventada, senão, é uma simples ofuscação."



Eduardo Lourenço, ensaísta, filósofo e professor universitário, in "O que a vida me ensinou"
"Stir up passion", fotografia de Nataly Revkina, in http://www.photoforum.ru/

O céu aqui tão perto...

Fotografia de V. Solteiro, Serra do Caramulo, Janeiro de 2008

(Ar)riscando o azul...



Feérico
turbilhão
riscando
o azul
de esguias
e estonteantes
aguarelas
os estorninhos
dançam
entrelaçados
a valsa
do ar


Só quando
o seu minúsculo
coração
lhes sopra
ao postigo
é que eles re
pousam
no prado
acariciando
as rubras
penas do dia



V. Solteiro, 17.01.08
Fotografia de José L. Gómez de Francisco, in "Visions of Earth", National Geographic Magazine, Março de 2005 - http://nationalgeographic.abril.com.br/


Ser o Outro...



"(...) É na capacidade de criar qualquer coisa que se experimenta a liberdade. (...) A palavra, diz-se, a obra faz-se. (...) Sendo a nossa vida nós, a obra de criação está fora de nós e é melhor que nós. Um poema, uma pintura, uma obra de arte. Estes três momentos são uma espécie de condição transcendental para que uma vida tenha realmente sentido. A vida humana é qualquer coisa que tem de ser superada. Nietzsche, nisso, tinha razão, quando dizia: 'Viver é superar-se continuamente.' Ou ter a vontade de se superar continuamente e saber que nunca se atinge aquilo que ele próprio explicou. Isso é a primeira condição para se ter uma vida. Depois é o conteúdo dessa vida. O indivíduo é uma abstracção. O indivíduo não existe. O que existe é a relação dele com o outro. Essa relação com o outro faz parte dele próprio, mas pode ser dividida com aquilo que realmente significa, que é ser o outro, ser apenas o não eu. (...) Essa relação criadora, independentemente do sexo, é a relação de amor. Se se falha, se não se tem, se se atravessa a vida sem conhecer, nem que seja um segundo, então a pessoa falhou a sua vida (...)."


Eduardo Lourenço, filósofo, ensaísta e professor universitário, in "O que a vida me ensinou"
"Friends", fotografia de Olga Z., in http://www.photoforum.ru/

O fresco vestido da Primavera...



"(...) Sobre as novas pontes
tu passas, ó primavera,
com a tua cesta de pão e o teu vestido fresco,
enquanto o homem, a água, o vento
amanhecem cantando."



Excerto do poema intitulado "As Pontes", de Pablo Neruda, in "As Uvas e o Vento", edição Campo das Letras, tradução de Albano Martins

"Blooming flower", fotografia de Gurpreet Singh, in http://www.photoforum.ru/

Floração



A haste
busca
na luz
o húmus
do céu
a raíz
das nuvens

Seiva
para
a floração

dos lábios


V. Solteiro, 15.01.08
"Plum blooming", fotografia de Andrey Sanin, in http://www.photoforum.ru/


Hoje és nevoeiro...



"Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.


Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!"



"Nevoeiro", poema de Fernando Pessoa, Lisboa, 1888-1935
"Fog", fotografia de Neuda4nik, in http://www.photoforum.ru/

Uma aldeia é um mundo...

" (...) Uma aldeia é um mundo extremamente intenso de relacionamento com aquilo que nos cerca. Deixa uma marca. Deixa imagens. Mas aquilo que marca mesmo são as expressões, os cheiros, as cores. Pouco a pouco tornei-me um citadino. Primeiro, de cidades pequenas, depois maiores, depois da Europa, depois do mundo. Essa primeira roupagem que criou os meus sentidos transfigurou-se completamente e tornou-se uma espécie de uma 'babel' no capítulo intelectual. As ideias contribuíram para uma espécie de avalização da minha alma, que era uma alma unida, simples. Não era ferida pelo mundo. (...)"


Eduardo Lourenço, ensaísta, filósofo e professor universitário, in "O que a vida me ensinou"
"Village", fotografia de Souushiow, in http://www.photoforum.ru/

Terreno...



"(...) Todas as minhas personagens são como quebra-cabeças montados com peças de muitas pessoas diferentes, e, como é evidente, com peças de mim mesmo. O mérito da minha mãe é que ela tem neste terreno a mesma destreza que têm os arqueólogos quando conseguem reconstruir um animal pré-histórico completo a partir de uma vértebra encontrada numa escavação. Lendo os meus livros, ela elimina, por puro instinto, as peças acrescentadas, e reconhece a vértebra primária e essencial em torno da qual eu construí a personagem (...)."


Gabriel García Marquez, in "O Aroma da Goiaba", Publicações Dom Quixote, 2005

"Puzzle 3D", fotografia de Jorge Coimbra, in http://www.photoforum.ru/

O tempo...



" (...) O tempo não se mede tanto em termos de ordem cronológica banal, exterior, mas pelas intensidades do tempo que vivemos. À medida que se envelhece, aquilo que fomos, como passado, adquire um relevo, uma força, uma presença que o próprio presente não tem. A nossa vida é projecto (...)."


Eduardo Lourenço, filósofo, ensaísta e professor universitário, in "O que a vida me ensinou"
"Really it is time?", fotografia de Vasili Kalinkin, in http://www.photoforum.ru/

Ca(n)tando as uvas...


"Errante, fui cantando
entre as uvas
da Europa
e sob o vento,
sob o vento da Ásia.
O melhor das vidas
e da vida,
a doçura terrestre,
a paz pura,
fui recolhendo, errante,
recolhendo.

Com meu canto
ergui na boca
o melhor duma terra
e de outra terra;
a liberdade do vento,
a paz entre as uvas.

Pareciam os homens
inimigos,
mas a mesma noite
os cobria
e só uma claridade
os despertava:
a claridade do mundo.

Entrei nas casas quando
comiam à mesa,
vinham das fábricas,
riam ou choravam.

Eram todos iguais.

Todos tinham olhos
para a luz, procuravam
os caminhos.

Todos tinham boca,
entoavam cantos
à primavera.

Todos.

Por isso
procurei entre as uvas
e o vento
o melhor dos homens.
Agora tendes que ouvir-me."



"Prólogo - Tendes que ouvir-me", poema de Pablo Neruda, in "As Uvas e o Vento", tradução de Albano Martins, Edição Campo das Letras, 2007
"I love that grape", fotografia de Alexey A. Guzeev, in http://www.photoforum.ru/

Ser Mãe...

Associação para o Planeamento da Família

Caetano Veloso:o coração é um sol...

Todo o caminho...

"(...) Daqui a uns anos vou desaparecer do mundo dos vivos, e ainda bem. Os outros que agora estão a nascer têm de aprender outra vez todo este encadeado de perguntas do que se sabe, ou não se sabe, ou o que não se pode concluir, porque não há modo de saber. Têm de descobrir outra vez todo o caminho. Aí é que está o embaraço da humanidade, nesta permanente relação entre vida e morte. Tenho uma pasta em que escrevi sobre o fenómeno da morte, que é algo de curioso. Há seres que praticamente não morrem. Isso passa-se mais ao nível do vegetal. A bactéria parte-se em duas e em relação a cada uma a ideia é:o que era? Mas isto continua sempre. Se disséssemos que a bactéria que hoje vemos ainda é a mesma que existiu há milhares de milhões de anos, não estávamos a mentir(...)."


Fernando Lanhas, arquitecto e artista plástico, in "O que a vida me ensinou"


"The old man", fotografia de Zinovy Bezmensky, in http://www.photoforum.ru/

O aroma do jasmim...

Photobucket
"(...) A avó governava a casa, uma casa que ele depois recordaria grande, antiga, com um pátio onde ardia nas noites de muito calor o aroma do jasmineiro e inúmeros quartos onde suspiravam às vezes os mortos. Para dona Tranquilina, cuja família era proveniente de La Goajira, uma península de areais ardentes, de índios, contrabandistas e bruxos, não havia uma fronteira muito definida entre os mortos e os vivos. Coisas fantásticas eram referidas por ela como vulgares acontecimentos quotidianos. Mulher miúda e férrea, de alucinados olhos azuis, à medida que foi envelhecendo e ficando cega, aquela fronteira entre os vivos e os desaparecidos tornou-se cada vez mais ténue (...)."


in "O Aroma da Goiaba", de Gabriel García Marquez e Plínio Apuleyo de Mendonza

"Clouds and jasmine", de B.K. von Bernhard, in http://www.photoforum.ru/

A vida é feita de nadas...



"A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;


De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;


De poeira;
De sombra duma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha."



"Bucólica", poema de Miguel Torga, São Martinho de Anta, 1907-1995

"Wine' s Begining", fotografia de Vladimir Zaplakhov, in http://www.photoforum.ru/