Ondjaki:um chão fértil de lendas


Seria um erro do tamanho do imbondeiro considerar Ondjaki um mero aprendiz de feiticeiro na arte de criar e colar palavras à tela da vida. Apesar de contar com vinte e quatro primaveras (data de edição do livro em Portugal) este escrevinha-dor de ilusões e emoções é, pela limpidez e transparência com que nos revela os seus muitos mundos e pela fina e brilhante ironia com que tece o novelo das suas estórias, um caso nada casual naquilo que - erradamente, do meu ponto de vista - se convencionou designar como literatura dos Palop's (Países de Língua Oficial Portuguesa).

Ainda que as suas fábulas estejam indelevelmente ancoradas a um chão fértil de lendas, crenças, ritos e mitos, Ondjaki não deve ser reduzido a um mero sucedâneo ou clone do universo de Mia Couto. Não por acaso, o mais representativo e ilustre porta-estandarte da actual literatura moçambicana declara, no prefácio deste "Momentos de Aqui", que "este estório-dependente não escreve na página mas na própria voz". Daí, a sua individualidade, a personalização de um estilo, a autonomia, a liberdade de pensar, criar e agir. Os sentimentos que as suas personagens exalam são de um beleza e pureza que a cave mais escura do nosso pensamento se ilumina.

Dividido em duas partes distintas, a saber, "Os Momentos" e as "Noites de Aqui", este livro de pequeninos contos mais se assemelha a um álbum de recordações de infância, a uma caderneta de lembranças e esperanças, a um quadro de memórias de um tempo que, de tão intenso e quente, ainda hoje vive colado á pele.

O que mais fascina quem se embrenha por esta escrita acolhedora e terna é a originalidade e a indisfarçável ternura com que Ondjaki compõe as suas personagens (a Tia Fatucha, o Padre Inácio - o Mata-Anjos, a Avó Ménha) e a sua extraordinária capacidade de construir ambientes que rapidamente alternam entre o azul cristalino das águas do mar e o negro manto da guerra.

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